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A escrita e a literatura como desejo de eternização do humano ao longo das eras


A importância da literatura e da escrita na história humana vai muito além da comunicação. A literatura, como produção humana intrínseca, funciona como portal — abre novas frestas para entendermos a realidade que nos cerca — e possibilita passagens entre mundos diversos, passado, presente e futuro.

A literatura não é propriamente história, nem filosofia; não é linguística, não é geografia, mas transita entre todos esses espaços, e é justamente nessa interdisciplinaridade que só a arte é capaz de proporcionar, é que reside a sua beleza. Somente a arte é capaz de nos proporcionar o alívio em meio a tempos tão tecnológicos, em que somos frequentemente bombardeados por diversos estímulos.

A palavra lirismo, associada à poesia lírica — aquela que se refere à expressão de sentimentos — remonta à Grécia Antiga, onde poetas, filósofos e músicos recitavam suas poesias ao som da lira, instrumento musical de cordas. Isso mostra que o surgimento da poesia está intimamente ligado também à música.

A língua, como código e ferramenta de expressão, distingue o ser humano das demais espécies justamente porque os códigos linguísticos são complexos, e a fala ampliou e moldou nossa maneira de estar no mundo e de interagir com os demais. Dessa forma, a partir dos signos linguísticos, os seres humanos foram capazes de organizar-se socialmente. A incessante produção artística e literária, a constante atualização da língua e dos recursos de expressão são reflexos diretos da complexidade humana. O homo sapiens sempre buscou formas de se expressar, até mesmo antes do surgimento da língua, em si, como nos revelam as pinturas rupestres.

É justamente o domínio da escrita que divide temporalmente a Pré-história da História, tamanha sua relevância. Esse surgimento data de 4000 a.C., na Mesopotâmia, com os hieróglifos egípcios. A partir da escrita, então, surge a possibilidade de perdurarem os registros, os pensamentos e os conhecimentos de determinada época e civilização. Mais do que isso, o ser humano, enquanto ser naturalmente filosófico e existencialista, sempre possuiu o desejo de ser eterno, de ser lembrado, de deixar, enfim, “a sua marca”.

A literatura, a partir da escrita, nos oferece diversas maneiras de expressar e recriar a realidade que nos cerca, seja como forma de crítica, denúncia ou até mesmo como uma maneira de embelezar um mundo tantas vezes hostil, marcado por guerras e por desafios. São muitas as pessoas ao redor de todo o mundo que sentem um profundo alívio após sentar para tomar um café na companhia de um bom livro de poesias. Essa mesma sensação — denominada de “catarse” — também pode ser experienciada ao ouvirmos uma boa música, irmos ao teatro ou a uma exposição de arte. Isso porque há sentimentos incomunicáveis que somente a arte é capaz de comunicar. Os poetas sabem muito bem disso.

Em outubro de 2025, mais especificamente no dia 31, nosso célebre poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade completaria 123 anos. O tão consagrado escritor de nossa terra, que fez parte do Modernismo — movimento literário que marcou profundamente a arte e a cultura nacionais ao longo do século XX, principalmente no que se refere ao desejo de produção de uma literatura verdadeiramente nacional, que valorizasse, também, a nossa variedade de falares —, já comunicou, em seus versos, esse desejo de eternizar-se:

Eterno

E como ficou chato ser moderno.

Agora serei eterno.


In: Fazendeiro do Ar, 1954.

Aproveito para citar também uma das nossas maiores escritoras, existencialista por natureza, Clarice Lispector, que deixou muitas páginas reflexivas sobre o ato de escrever. Nas páginas finais de um de seus mais renomados romances, A paixão segundo G.H. — meu livro preferido —, lemos:

“A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la. A linguagem é o meu esforço humano.”

Em síntese, a literatura e a escrita são formas de busca, de querer mais. O ser humano sempre quis mais. Que nós possamos querer mais para nós e para os outros, principalmente em termos de conhecimento e autoconhecimento.


Por Carolina Costa – Professora de Língua Portuguesa do 6º Ano ao Ensino Médio

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